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domingo, 10 de janeiro de 2010

Coisas de Waly Salomão: O LANÇAMENTO DA DISCÓRDIA


Não consigo lembrar direito de como Waly Salomão entrou na minha vida. É muito provável que tenha sido através de Luiz Caldas, mas não pode ser descartada a via de um colega de trabalho – Sidnei Silva – muito amigo dele, que, com certeza, veio solidificar nossa relação no futuro. Agora me lembro. Foi através de Luiz sim, quando ainda morava na Rua do Barro Vermelho, em pleno Rio Vermelho e no auge do sucesso.

Certa vez fui lá visitá-lo e ele me convidou para irmos ao apartamento do poeta Antonio Risério, que morava alguns andares abaixo, onde também estava Waly, na época presidente da Fundação Gregório de Mattos, numa conversa literária com o anfitrião. Eu não conhecia pessoalmente nenhum dos dois e eles nunca tinham escutado falar de mim. Taí o que se pode chamar de bom começo.

Foi um encontro engraçado porque o papo estava a mil, num nível intelectual que a minha cultura provinciana nem de longe tinha condições de acompanhar, tudo regado a montanhas de whisky e muita descontração. Não sei bem porque, mas a partir de um determinado momento Luiz precisou sair e eles me convidaram para ficar. Durante todo o tempo em que estive lá não abri a boca, pelo menos não para participar das discussões, mas quanto a devorar os whiskies trabalhei direito – nisso eu era tão bom quanto eles.

Considerando que os dois estavam ali em condição de iguais, em franca intimidade de seus talentos (eu, recém-chegado, boiando em torno da mesa), pela forma gentil e cuidadosa como me trataram todo tempo devo concluir que minha boca fechada e presteza em servi-los foram bastante eficientes. Terminei, sem querer, dando uma contribuição inestimável ao debate e à cultura nacional.

Minha interação com Waly, apesar de ter sido marcada por inúmeros episódios de intimidade social relativa, nunca foi de amizade propriamente dita, estando mais para uma relação cortês e respeitosa. Eu admirava o poeta que, por sua vez, e creio que por causa de tantos amigos em comum, tinha uma paciência comigo acima do normal e, devo, a bem da verdade, acrescentar que de certa forma muito generosa, reconhecia – ainda que em situações sui generis – o que ele chamava de meu talento, sabe-se lá onde o via. Nunca me esqueço de uma vez, na praia de Guarajuba.

Eu, ele e Luiz tomávamos todas na casa de Tinho Nery, um dos donos do bloco Camaleão, quando recitei um poema, do qual hoje nem gosto tanto, mas que naquela época achava o máximo, e que Waly, estimulado pela imensa quantidade de álcool que havíamos ingerido, ficou tão empolgado com o dito cujo que se dependurou com as duas mãos em meu bigode de mexicano – que tinha pontas imensas. Deu trabalho para tirar o poeta de lá. Luiz e Tinho foram quem me salvaram.

No tempo em que trabalhei com Daniela Mercury estive muitas vezes com ele, quando desfrutei da oportunidade e o privilégio de conversarmos bastante sobre poesia e arte em geral. Foi Waly quem me deu a verdadeira dimensão da grandeza da obra de Hélio Oiticica num livro soberbo que escreveu sobre o artista e que me mostrou pessoalmente. Foi também Waly quem me ensinou definitivamente (e em conjunto com Cláudius Portugal), que a poesia tem de ter jogo de cintura e roçar em tudo, sem pudores, feito uma puta sedenta na suruba.

Tenho alguns livros do poeta ofertados pelo próprio e, dentre o seu acervo, caso ele não tenha (ou não tenham) jogado fora, lá devem encontrar meu primeiro livrinho que lhe enviei ao Rio, já que não pôde vir ao lançamento. E, por falar em lançamento…

Corria o ano de 95 ou 96, sei lá, e nós, eu Jorginho Sampaio e o radialista Manolo Pousada, depois de termos saído de Daniela Mercury, estávamos de vento em popa com a Perto da Selva – produtora que teve uma importância fundamental em nossas vidas e na produção musical do Brasil. Em ambos os casos, para o bem e para o mal.

Quando aconteceu o episódio a PS nadava em prestígio e em grana e, por isso mesmo, estávamos patrocinando o poeta para que fizesse o lançamento de um de seus livros em Salvador. Toda a logística (passagem, hotel, buffet e tudo mais) era por nossa conta e responsabilidade. Apesar de ser um projeto caro porque o poeta só gostava do bom e do melhor já que devolvia no mesmo nível com sua arte, eu – um canguinha inveterado na administração da grana da empresa, ainda que não da minha – fazia a gastança com muito orgulho por estar podendo participar de forma tão íntima daquele momento de um dos meus ídolos na arte.

Só que Waly também tinha outras facetas: era uma pessoa extremamente temperamental e, apesar de ter um coração doce, construía as coisas a partir daquela postura de iconoclasta compulsivo que, explodindo tudo à sua volta, ia moldando mosaicos definitivos de arte e vida que sobreviveram a ele – suas grandes contribuições.

Bem, lá pras tantas, na manhã do dia do lançamento, Waly me ligou. Tinha entrado num parafuso emocional e cismou, sabe lá Deus porque, que não ia mais lançar livro nenhum. Eu quase que enlouqueço, pois aquela coisa toda tinha me dado um trabalhão imenso e já havia meia Bahia com o seu na reta, comprometida com a história – inclusive a Fundação Casa Jorge Amado, articulada por ele próprio. Supliquei, implorei, disse que faria qualquer coisa pra que mudasse de ideia, inclusive ir até o hotel conversar pessoalmente pra ver se o acalmava, mas nada. O poeta não descia do salto alto e permanecia dando o seu piti inexplicável sem querer saber da minha agonia.

Nesse ponto devo acrescentar que Waly era mestre em enlouquecer alguém quando queria e conseguiu me levar às raias da loucura. Até que, depois de muito tempo nesse lenga-lenga e cada vez mais se aproximando a Hora H de montar o gran circo do lançamento do livro, eu também explodi.

– Waly, quer saber de uma coisa, vá se foder você, livro, lançamento e o caralho que aparecer na minha frente. Não faço mais porra nenhuma – e desliguei sem esperar resposta.

Espumando de raiva liguei imediatamente para a Fundação Casa de Jorge Amado cancelando tudo, o que – de pronto – enfartou uma dúzia de gente por lá.

Quem resolveu a situação entre os dois birrentos foi Sidnei, aquele colega de trabalho, que acalmou os ânimos de todos e pôs a bagunça no lugar. Não fui à festa, que depois soube maravilhosa, mas o que rimos depois – eu e Waly – relembrando esse episódio compensou todas as dificuldades pelas quais passamos. Pena que não houve mais um outro quebra-pau daquele, teríamos dado boas gargalhadas novamente, ele adorava esses barracos.


* Edmundo Carôso é poeta e escritor/ Blog Jeito Baiano.





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