Uma ave de asas leves, com bico quase de plástico e muito colorido. É
assim que Gabriel Fernando Silva, de 18 anos, enxerga o tucano, bicho
que hoje segurou pela primeira vez. Totalmente cego desde que
nasceu, ele garante que não precisa dos olhos para saber como é a beleza
da natureza.
“É um mundo incrível, encantador, que eu vejo com as mãos. Achava
que o tucano era um pouco maior do que isto, mas agora eu vi como ele é
de verdade”, disse.
Gabriel é um dos 12 alunos do Centro Educacional Setor Leste, uma
escola pública de Brasília, que participaram nesta segunda-feira de uma
visita guiada ao zoológico, por meio do Projeto Zoo Toque. Ansioso,
assim que chegou ao local, o jovem que sonha ser jornalista, perguntou:
“Cadê o tucano que eu não vi?”.
Igualmente encantado com a ave, Giovani Alziro, de 20 anos, contou
que mesmo antes de conhecê-la de perto, já tinha sua imagem construída
na mente. “Na minha cabeça, o mundo das aves já estava todo formado. É
um mundo muito colorido e, por isso, lindo. O tucano que eu peguei hoje,
por exemplo, é azul e amarelo. Então sei que ele tem as cores do céu e
do sol. Foi uma sensação incrível”, descreveu.
Além do tucano e da arara-canindé, recuperados do tráfico de animais
e condicionados desde pequenos para não se assustarem com o toque das
pessoas, os alunos do grupo também conheceram o elefante, o hipopótamo e
a girafa. Com a ajuda de monitores capacitados, estes dois últimos
animais foram alimentados pelos jovens.
Ao segurar a alfafa, que serve de comida para o elefante, Andrea
Lívia, de 19 anos, ficou surpresa com a aspereza do vegetal. “Achava que
era mais fofinho. É estranho, muito áspero”, disse, intercalando
sorrisos com uma careta por causa do cheiro forte do bicho. “O cheiro
dele que não é bom. É muito marcante, não gostei muito”, completou ela,
que nasceu com deficiência visual em razão de uma rubéola contraída pela
mãe durante a gestação.
Tainara de Almeida, de 17 anos, logo percebeu que o local onde o
elefante dorme tem pé-direito alto. “Pelo eco que faz aqui, dá para ver
que o teto é bem distante”, observou. Segundo funcionários do zoológico,
que confirmaram a percepção da menina, o lugar chamado de recinto do
elefante tem, pelo menos, 5 metros de altura.
Para Jéssica Gomes, de 19 anos, o que mais chamou a atenção foi a
fome do hipopótamo. “A gente dava comida e ele sempre abria a boca de
novo. Que bicho faminto”, disse a jovem, que já tinha visitado o
zoológico com a família, mas pela primeira vez alisou o pelo dos bichos.
“Achei o pelo dele gelado e molhado. Deu um nervosinho, mas foi
muito gostoso”, contou que também gostou de segurar o tucano. “Esse foi o
bicho que achei mais bonito. Ele é lindo porque sei que come frutas.
Como as frutas são lindas, ele também é”, concluiu.
O
professor Renato Soares, um dos que acompanharam o grupo, explicou que
conhecer de perto os animais, principalmente os selvagens, entender o
local onde vivem, do que se alimentam e observar suas dimensões
enriquece o processo de aprendizagem, estimulando o interesse e aguçando
a curiosidade dos alunos. Segundo ele, exatamente da forma como ocorre
com qualquer estudante.
“Ensinamos o que está nos livros, mas quando vamos até o objeto do
estudo e vemos de perto, tudo se torna mais real, mais concreto e mais
encantador. É assim com os alunos que têm deficiência como com qualquer
aluno”, enfatizou.
Ele explicou que, para orientar a observação, são feitas comparações
com elementos já conhecidos pelos adolescentes. Para ajudá-los a
compreender o tamanho do elefante, por exemplo, o professor disse que
era quase como uma van.
“Eles podem não enxergar com os olhos, mas enxergam com os outros sentidos e veem tudo, só que da maneira deles”, acrescentou.
Ao longo de todo o ano, esses alunos farão visitas mensais ao
zoológico. Na programação, desenvolvida por biólogos, zootecnistas e
educadores ambientais da instituição, estão incluídas noções de
fisiologia animal e de conscientização ambiental, além de observação do
borboletário e do serpentário. A cada ano, o zoológico firma parceria
com uma escola para desenvolver o projeto.
A coordenadora da iniciativa, Marcelle de Castro, explicou que o
zoológico conta com estrutura para receber pessoas com deficiência em
qualquer dia da semana, mas enfatizou que para visitas orientadas é
preciso fazer agendamento prévio por meio do telefone (61) 3445-7013.
A especialista em inclusão Claudia Werneck ressaltou que o direito
ao lazer é previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que
deve ser assegurado com ampla e diversificada oferta.
“O direito ao lazer vale para para qualquer criança, com ou sem
deficiência, e significa que elas devem não apenas estar nos espaços,
mas participar e usufruir deles em plenas condições de acessibilidade.
Isso deve valer para todas as crianças, em todos os espaços e em todos
os momentos”, disse a especialista, que é fundadora da Escola de Gente,
organização não governamental que trabalha pela disseminação de
políticas públicas inclusivas.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), existem 600 milhões
de pessoas com deficiência no mundo, mais da metade delas vivendo nas
regiões pobres dos países em desenvolvimento, como o Brasil.
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