Por: Paulo Rizzio de Abreu Filho
Houve um tempo em que para trafegar por uma rodovia no
Brasil era necessário manter reservado, alí, bem guardadinho entre os
documentos o “cafezinho” do policial rodoviário; se você não fosse dado a esse
tipo de “bebida”, teria seu veículo no mínimo com um farol, uma lanterna
estilhaçada, uma baita dor de cabeça e uma multa enorme. Hoje, na maioria dos
casos, oferecer suborno, além de ofensa à honra do policial, pode lhe custar
longos dias na cadeia.E, embora ainda exista demanda _ aquele que oferece e
aquele que recebe _, começamos a entender que a mudança começa em cada um de
nós, todos os dias, nas pequenas coisas. De nada adianta exigir honestidade dos
políticos, conduta incorruptível e continuarmos com o velho jeitinho
brasileiro.
Os velhos hábitos demandam novas posturas, devem ser
abandonados dando lugar a consciência, a ética e a justiça. Verdade é que
existe gente e gente, profissionais de todo o jeito. Não é incomum nos
depararmos com denúncias de erros médicos; esquecem tesouras, pinças, agulhas
dentro do paciente; pior que isso é a morte de uma jovem mãe que durante uma
cesariana teve as alças do intestino cortadas. Todos os médicos são
incompetentes e irresponsáveis? De modo algum. Inocentes são mortos em suas
próprias casas por conta de balas perdidas, algumas delas saem do cano de armas
de policiais, outros,confundem cidadãos de bem com bandidos. Guardas municipais
despreparados em completo desequilíbrio emocional e racional espancam, matam,
prendem pessoas inocentes. Agem todos da mesma forma? Medimos e pesamos todos
com a mesma medida? Não mesmo.
Clérigos e pastores são acusados de abuso, de estrupo. São
todos hereges, apóstatas, malfeitores?
Funcionário público é demitido do cargo por possível cometimento de infrações,
de abandono e acúmulo ilegal do cargos, sendo obrigado a ressarcir ao erário os
valores indevidamente recebidos. Têm todos a mesma conduta? Sargento da Aeronáutica
é preso por tráfico de drogas, um outro, do Exército por desvio de armas. São
todos traficantes? Políticos são denunciados e presos por corrupção, “rachadinha”,
improbidade administrativa. São todos ladrões e desonestos? Até desembargadores
e juízes são afastados dos cargos por suposto esquema de venda de sentenças e
favorecimento de réus. Têm todos essa “flexibilidade” moral, de caráter, de
postura? Decerto que não.
Falemos então de idoneidade, de rigidez de caráter, de
competência, decência e comprometimento pois, direito tem, quem direito anda.
Falemos dos inúmeros profissionais de saúde com suas exaustivascarga horária,
muitas vezes dobradas em plantões pela necessidade de salvar vidas; desses
mesmos profissionais dedicando-se ao trabalho em lugares remotos do nosso país.
Falemos de homens e mulheres, militares ou guardas municipais que todos os dias
expõem suas vidas pelo bem da sociedade; muitos deles jamais retornam aos seus
lares. Grandes homens, padres e pastores que levam a palavra de Deus, lutam
contra a injustiça, contra a imoralidade, sustentam a nação com suas preces,
suas orações alimentando de fé e deesperança os fracos e oprimidos. Políticos
têm suas vidas devastadas pela mentira, são caluniados, sofrem golpes mas apesar
disso preferem a ética, a decência, não se corrompem, nem se locupletam do
dinheiro alheio. Lutam pelo direito coletivo, pelo equilíbrio, liberdade e bom
senso. Professores atravessam noites debruçados sobre pilhas de livros, provas
para elaborar e corrigir, estudam, leem, dão ênfase à sua formação, se
aperfeiçoam em benefício próprio e coletivo, muitas vezes em detrimento da
própria família.
Julgaremos o livro pela capa? Todos são bandidos,
imprestáveis, culpados? Existem bons e maus médicos, engenheiros, advogados,
professores... Não se julga o todo pelas partes, num cesto de laranjas
pode haver algumas estragadas, isso no entanto, não caracteriza todo o cesto.
Com o devido respeito à todas as demais profissões e, sem desmerecer nenhuma
delas, ser professor é lutar contra aspectos de nossa própria história que
estão convenientemente enraizados para benefício de alguns. Um país em que a
educação não é vista como prioridade, em que investimento é despesa e que
escolas são maquiadas e/ou abandonadas, em que os professores precisam tirar do
próprio bolso material para inovar suas aulas, ou para os alunos e muitas vezes
até para complementar a merenda escolar não pode ser considerado um país sério.
Como então levaria à sério e respeitaria o professor?
Alcindo Ferreira Prado em Desafios da profissão diz que:
“refletir sobre a função do professor como um profissional
da educação que contribui para uma transformação qualitativa da sociedade, há
de se considerar a presença da responsabilidade político-social na docência,
haja vista que, a formação do cidadão perpassa pela dimensão da formação
política, pois esta propicia formar cidadãos críticos e transformadores.”
Percebe-se a grande responsabilidade que recai sobre o
professor _ formar cidadãos _, responsabilidade esta, muitas vezes, acentuada
por atitudes políticas contrárias, cristalizadas na sociedade. Sem escolas, sem
formação, sem professores é mais fácil e prático manter os incultos na
obscuridade, na ignorância, formar cidadãos críticos e transformadores é
perigoso, melhor mantê-los na inercia, na ignorância, assim, desconhecem, não
entendem, não refletem não cobram. “[Para criar um escravo satisfeito”, escreveu
Bailey... é necessário criá-lo estúpido. É necessário obscurecer a sua visão
moral e intelectual...”. “O sucesso dos tiranos reside na felicidade dos
escravos com sua própria escravidão”. Melhor deixar a maioria pensarem que são
livres pois hão de sentir menos o peso das correntes. Melhor é cupabilizar o
professor pelo fracasso escolar, deixá-lo no rudimentar processo, sem
infraestrutura decente, sem valorização, sem respeito, sem apoio, do que
investir em valorização.
De fato, direitos tem, quem direito anda, negar essa
premissa é ocultar a verdade. O que faremos então? Provocaremos o armagedom
para sanitarizar o mundo? Responsabilizar os profissionais de educação para
justificar a retirada da regência é no mínimo falta de bom senso, é desconhecer
a lida, a prática diária do fazer pedagógico, é injusto. Equivale dizer que a
culpa pelo desenfreado índice de criminalidade é da polícia, que a razão para
tanta corrupção na política é culpa do povo que não sabe exercer sua
cidadania...
Afirmar que a educação em Jequié não alcança o desempenho
desejado é por conta do professor é prender-se a explicações rasas e tolas que
só mascaram e ocultam o conjunto real de fatores que causam severos prejuízos
ao processo educacional, apesar do empenho desses profissionais. Por último mas
não por fim, aproprio-me com profundo respeito das palavras do grande educadorPaulo
Freire em Pedagogia da Autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 2011: “Não posso
ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra,
minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão.
Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo.Não posso ser professor a
favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê.Não posso ser
professor a favor simplesmente do homem ou da humanidade, frase de uma
vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa.
Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor
da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da
democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.Sou professor a favor da
luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação
econômica dos indivíduos ou das classes sociais.Sou professor contra a ordem
capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura.Sou
professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor
contra o desengano que me consome e imobiliza.
Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática,
boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por
este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu
corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho
que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Boniteza que se
esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos,
não canso de me admirar.”